Certo
dia, saindo de casa por volta das 7 horas, avistei um homem carregado de bolsas,
colocando os três filhos no carro. Observei e não encontrei a figura da mãe. No
dia seguinte, sem que percebesse já estava diante do mesmo homem e a mesma cena
se repetiu. Sempre apressado ele arruma as bolsas, ajusta os filhos nos
assentos e depois entra no carro sem olhar ao redor.
Fiquei
pensando onde se encontra a mãe? Será que já está no trabalho? Será que ficou
em casa? Onde ela está? Bem, não sei, pois não conheço nada sobre eles. Mas a
cada dia que passava, nossos encontros pareciam marcados, mas era apenas coincidência.
Passei a olhá-lo mais de perto, estava curiosa para saber por que não via a mãe
daquelas crianças.
Já
se passaram mais de duas semanas e sempre o encontro no mesmo local fazendo as
mesmas coisas. Passei a observá-lo. No seu modo de ser e de falar, eu notava
sua preocupação, cuidado e disciplina. Sua concentração e pressa eram grandes,
pois nunca percebera a minha presença.
Pensei
em parar para lhe perguntar alguma coisa. Mas resolvi ficar em silêncio. Nesta manhã,
caminhei mais devagar, e olhei para a casa, o local onde o carro saia sempre. Não
vi ninguém lá dentro. As crianças tinham um aspecto calmo e sério, numa postura
de silêncio e obediência ao pai. Ele as tratava com o tom de voz suave e
alegria.
Passou-se
um mês e quase todos os dias vejo o pai e os filhos indo, provavelmente, à escola,
pois as crianças estão fardadas. Mas nem sinal da mãe ou qualquer outra mulher
acompanhando a cena, nem mesmo quando o portão se abre para o carro sair.
Hoje
estou com um pouco de tempo e resolvi ir mais cedo. Vou ficar escondida para
ver se alguma coisa diferente acontece. Cheguei ao local e não percebi nada
diferente. Apenas as pessoas caminhando para irem ao trabalho e resolver suas
coisas. De onde estava, via a casa fechada. As janelas do primeiro andar
trancadas e com cortinas. Nem sinal de pessoas.
Em
pouco tempo de espera vejo o portão da casa se abrindo. Dele sai um carro com
uma mulher dirigindo. Mas, ela deixa o carro fora e volta para a casa. Em seu
salto alto e muito produção, roupa da última moda, bolsa cara e muitas joias, a
mulher entra em casa e já começa a falar alto. Dava para entender bem que ela
demandava ordens de forma enfática e fria, mas não era possível ver para quem. Foram
poucos segundos e logo ela saiu fechando o portão.
Afastei-me
um pouco e quando o carro passou, vi seu rosto melhor. Seu rosto me é familiar,
mas não me lembro de onde a conheço. Pensei em ir embora, pois já tinha visto
quem eu queria. Mas uma coisa me chamou à atenção. Ouço o choro de uma criança e
o pai tenta consolá-la, dizendo para ela que não ligue sua mãe, ela está
estressada e anda muito cansada. E a criança continua a chorar. Então, o pai
promete que vai levá-la, pois sua mãe não pode proibi-la de brincar com seus
primos e primas e, muito menos, de ver os seus avós. A criança ainda passa um
tempo chorando, mas logo vem o silêncio.
Meia
hora depois o portão se abre e ele tira o carro da garagem, em seguida, cada
criança vem saindo com suas bolsas, inclusive a que estava chorando. Era uma
menina, com a aparência de 8 anos e chorava bastante. O pai dá-lhe um abraço e
conversa com ela. Pede para ela entrar no carro, assim como os demais. O pai
segue a rotina: colocar todos no carro, ser atencioso com cada uma delas e
seguir seu destino para levá-las à escola.
Fui
embora e nunca mais quis voltar na mesma rua. Algumas semanas depois, liguei a televisão
para assistir e para minha surpresa, era a mãe das crianças quem estava
falando. Ela dava uma entrevista para falar sobre família, união, amor e participação
da mulher na família. Fiquei paralisada ao ouvir e ver quanto às pessoas são capazes
de mentir para sobreviver. E pior, como são capazes de serem infelizes vendendo
uma imagem irreal para si mesmo e para os outros.
Autor: iana Andrade
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